"A presença de adenovírus (replicante) pode levar serie de consequência, até um surgimento de manifestação e doenças autoimunes", disse Cristiane.
Julgamento sem relatório
A decisão contra a importação foi tomada em uma reunião extraordinária que ocorreu para atender uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação protocolada pelo governo do Maranhão.
Governadores buscam importar a Sputnik com base na lei 14.124/2021, que trata das medidas excepcionais para aquisição de vacinas e de insumos.
Entretanto, a Anvisa lembra que a legislação prevê como uma das exigências a entrega do "relatório técnico da avaliação da vacina".
O documento deve ser emitido por uma autoridade sanitária internacional capaz de comprovar que a vacina atende a padrões de qualidade.
Os técnicos não receberam o relatório. Por isso, o relator Alex Machado Campos disse que basearia seu voto nas contribuições de gerências técnicas da Anvisa. O primeiro posicionamento foi da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, que recomendou que fosse negada a importação.
O posicionamento foi seguido pela Gerente-geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária e pela Gerência Geral de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária.
Adenovírus replicante
Entre os pontos negativos levantados pela gerência está uma falha na produção do vetor usado na vacina. A Sputnik V utiliza a tecnologia de vetor viral.
Nesse tipo de vacina, um outro vírus (nesse caso, o adenovírus) "leva" o material genético do coronavírus, o RNA, para dentro do nosso corpo. Mas esse adenovírus é modificado para não conseguir se replicar (reproduzir). Por isso, ele não deve causar nenhum tipo de doença.
Entretanto, segundo Gustavo Mendes Lima Santos, responsável pela gerência, "um dos pontos críticos e cruciais foi a presença de adenovírus replicante na vacina". Ou seja, o adenovírus é capaz de se reproduzir.
"Isso significa que o vírus que deve ser utilizado apenas para carregar o material genético do coronavírus para a célula humana ele mesmo se replica. Isso é uma não conformidade grave." - Gustavo Mendes
"A presença de uma adenovírus replicante pode ter impacto na nossa segurança quando utilizamos essa vacina. Esse vírus, que não era para ser replicante, pode se acumular em tecidos específicos do corpo como, por exemplo, os rins", explicou Gustavo Mendes.
Inspeção na Rússia
A Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária enviou servidores da Anvisa para a Rússia. A gerência explicou que a cadeia de fabricação da Sputnik envolve sete fábricas, ou plantas, na Rússia.
Os técnicos só conseguiram fazer a vistoria em três dos sete locais.
De acordo com Ana Carolina Marino, gerente geral de fiscalização, o Fundo Russo tentou cancelar inspeção presencial e não autorizou acesso ao Instituto Gamaleya.
Além disso, a Anvisa não conseguiu identificar os fabricantes da matéria prima da vacina.
Entre os três locais inspecionados, a vistoria encontrou pendências. A principal, na fábrica UfaVITA, é relacionada a práticas assépticas e teste de esterilidade.
"Foram observadas não conformidades que impactam na garantia da esterilidade do produto e que necessitam de correção imediata por parte da empresa para mitigação do risco", apontou a Anvisa em relatório.
"Diante do dispêndio de recursos públicos, (...) sentimento de frustração quanto a visita", apontou o relator.
Vacinação pelo mundo
A Anvisa informou que a maioria dos países que autorizaram a aplicação da vacina não têm tradição na análise de medicamentos.
O Fundo Russo cita que mais de 60 países já aprovaram a vacina. Apesar disso, a Anvisa buscou embaixadas do Brasil para obter detalhes do uso. A agência apurou que, em 23 países com contrato, a vacinação não começou e que apenas 28% dos países relataram que já utilizam a vacina.
Eficácia da vacina
Durante a reunião, a diretoria colegiada da Anvisa lembrou que a vacina Sputnik V teve eficácia de 91,6% contra a doença, segundo resultados preliminares publicados na revista científica "The Lancet", uma das mais respeitadas do mundo. A eficácia contra casos moderados e graves da doença foi de 100%. Sputnik é administrada em duas doses, com intervalo de 21 dias entre as doses.
"A avaliação sanitária é diferente da avaliação de uma revista científica, que não tem por objetivo recomendar ou aprovar uso", lembrou Gustavo Mendes.
Resumo
A Decisão unânime foi tomada após 14 estados pedirem autorização para importação emergencial de quase 30 milhões de doses.
Três gerências técnicas da agência (medicamentos, fiscalização e monitoramento) deram pareceres contra a importação;
Anvisa apontou que não recebeu relatório técnico capaz de comprovar que a vacina atende a padrões de qualidade e NÃO conseguiu localizar o relatório com autoridades de países onde a vacina é aplicada;
Anvisa diz que a maioria dos países que autorizaram a aplicação da vacina não têm tradição na análise de medicamentos; além disso, em 23 países com contrato, a vacinação não começou;
Gerência de Medicamentos apontou diversas falhas de segurança associadas ao desenvolvimento do imunizante. Na mais grave, explicou que o adenovírus usado para carregar o material genético do coronavírus não deveria se replicar, mas ele é capaz de se reproduzir e pode causar doenças;
Gerência de Inspeção e Fiscalização relatou que técnicos da Anvisa não puderam visitar todos os locais de fabricação da vacina durante inspeção na Rússia; dos sete pontos previstos, técnicos conseguiram visitar apenas três locais;
Fundo Russo tentou cancelar inspeção presencial e não autorizou acesso ao Instituto Gamaleya, que faz o controle de qualidade;
Anvisa não conseguiu identificar os fabricantes da matéria prima da vacina.