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Mandetta aponta à CPI desprezo de Bolsonaro pela ciência, e Renan lista 'revelações graves'



No primeiro dia de depoimentos na CPI da Covid, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contrariou orientações do Ministério da Saúde baseadas na ciência para o combate à pandemia do coronavírus.

Avaliou também que o mandatário adotou discurso negacionista que pode ter contribuído para espalhar mais rapidamente a Covid-19.

As declarações de Mandetta, dadas nesta terça (4) à comissão, foram consideradas "relevantes" pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e servirá para que ele verifique indícios de cometimento de crimes por parte de Bolsonaro.

A intenção dos senadores ao interrogar Mandetta foi traçar uma linha do tempo -já que ele chefiou a pasta logo no início da pandemia- e verificar quais foram as interferências de Bolsonaro nas medidas para enfrentar o vírus.
Uma das linhas de investigação de parlamentares de oposição no colegiado é verificar se o presidente agiu deliberadamente para propagar o vírus na expectativa de que o país atingisse imunidade de rebanho, quando cerca de 70% da população já teria sido infecyada pelo vírus. Assim poderia não ser necessário, por exemplo, comprar vacinas.

Mandetta disse ter a "impressão" de que o governo buscava a imunidade de rebanho como estratégia para vencer a pandemia.

"A impressão que eu tenho era que era alguma coisa nesse sentido, o principal convencimento, mas eu não posso afirmar, tem que perguntar a quem de direito", afirmou o ex-ministro, que disse sempre ter se balizado pela ciência.

Segundo Mandetta, Bolsonaro foi alertado que no início da propagação do vírus, entre março e abril, o ideal era que se fizesse o isolamento social, mas ainda assim decidiu atacar a medida.

"Todas as recomendações as fiz com base na ciência, a vida e a proteção. Eu as fiz nos conselhos de ministros e diretamente ao presidente".

O ex-ministro contou que chegou a escrever uma carta ao presidente em defesa do isolamento, que foi entregue em uma reunião com outros ministros no Palácio da Alvorada. "Era muito constrangedor para um ministro da Saúde explicar que o ministro da Saúde estava indo por um caminho e o presidente por outro."

No documento obtido pela reportagem, com a data de 28 de março de 2020, Mandetta "recomenda expressamente" ao presidente que reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, "uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população".

Mandetta diz ainda que "em que pese todo esforço empreendido por esta pasta para proteção da saúde da população e, via de consequência, preservação de vidas no contexto da resposta à epidemia da Covid-19, as orientações e recomendações não receberam apoio deste Governo Federal, embora tenham sido embasadas por especialistas e autoridades em saúde".

O ex-ministro também afirmou que não partiu do Ministério da Saúde a orientação para a produção de cloroquina pelo Exército para o combate à Covid. Segundo ele, durante sua gestão, havia quantidade suficiente do medicamento pela Fiocruz para aquilo que lhe convém, como o tratamento da malária.

Questionado sobre a relação com o presidente, Mandetta disse que nunca teve discussões ríspidas com Bolsonaro, mas afirmou que sempre explicava a ele quais seriam as medidas indicadas pelas autoridades de Saúde para o enfrentamento da pandemia.

"O presidente, no mais das vezes, ele compreendia, ele falava: 'Então, vamos, vamos... Dê seguimento!', porque você não pode ser ministro sem relatar. Eu achava que eu estava fazendo um bom trabalho, inclusive, mas passavam-se dois, três dias, e ele voltava para aquela situação de quem não havia, talvez, compreendido, acreditado, apostado naquela via."

"Me lembro do presidente sempre questionar a questão ligada à cloroquina, como a válvula de tratamento precoce, embora sem eficácia comprovada. Falava também do confinamento vertical", afirmou.

"Ele tinha um assessoramento paralelo", afirmou Mandetta, sem definir quem assessorava o presidente.
O ex-ministro relatou que foi chamado a um gabinete no Palácio do Planalto, onde apresentaram uma sugestão de decreto para alterar a bula da cloroquina e incluir entre suas recomendações o uso para o tratamento da Covid-19.

O ex-ministro já havia revelado no ano passado a tentativa do governo de alterar a bula do medicamento. Nesta terça, ele usou o exemplo para mostrar que havia outras pessoas aconselhando Bolsonaro sobre a pandemia.
Mandetta também contou que o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, participava de reuniões para tratar das medidas de combate ao coronavírus.

Senadores governistas adotaram estratégia para tentar apontar que o ex-auxiliar de Bolsonaro havia dado recomendação "equivocada" à população.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) perguntou se Mandetta receitou, em março do ano passado, "chá, canja de galinha e reza contra o novo coronavírus".

Antes, o ex-auxiliar de Bolsonaro já tinha sido questionado por Renan se era verídica sua orientação de o paciente apenas procurar o sistema de saúde quando apresentasse sintomas mais severos da doença, como falta de ar.

Mandetta rebateu dizendo que se trata de uma "guerra de narrativa" as acusações de bolsonaristas de que ele teria recomendado que as pessoas ficassem em casa, mesmo após apresentarem sintomas da doença.

Renan afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que considera "graves" os fatos descritos por Mandetta no depoimento.
"O depoimento mostrou que houve aconselhamento paralelo na Covid, adoção da cloroquina ao arrepio do Ministério [da Saúde], participação de Carlos Bolsonaro [vereador do Rio e filho do presidente] em reuniões (por quê?) e alerta sobre 180 mil mortes", disse o relator da CPI.

Ele segue: "Bolsonaro divergiu das orientações científicas, no isolamento e na cloroquina. Foi um depoimento importante na minha opinião para clarear exatamente o que ocorreu naquele momento inicial da pandemia".
Estavam marcados ainda para esta semana os depoimentos dos ex-ministros Nelson Teich e Eduardo Pazuello. O general, porém, alegou que esteve em contato com dois coronéis infectados com o coronavírus e por isso não poderia comparecer na comissão.

Governistas querem que Pazuello preste depoimento de modo remoto, por videoconferência, o que pode diminuir a pressão sobre ele.

Na tarde desta terça, a presidência da CPI confirmou o adiamento do depoimento de Pazuello, inicialmente marcado para esta quarta-feira (5) e agora previsto para o próximo dia 19.

Fonte: Folhapress



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