O Plenário do Senado aprovou, na última quarta (27), o projeto que regulamenta os direitos originários indígenas sobre suas terras. Foram 43 votos a favor e 21 contrários. Dos três senadores piauienses apenas Ciro Nogueira votou a favor da matéria. Mesmo ligados ao movimento ruralista os senadores Marcelo Castro (MDB) e Jussara Lima (PSD) votaram contra a matéria. O projeto segue agora para a sanção da Presidência da República.
Entre os principais pontos, o texto só permite demarcar novos territórios indígenas nos espaços que estavam ocupados por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A tese jurídica que ficou conhecida como marco temporal para demarcação de terras indígenas. O projeto também prevê a exploração econômica das terras indígenas, inclusive em cooperação ou com contratação de não indígenas. A celebração de contratos nesses casos dependerá da aprovação da comunidade, da manutenção da posse da terra e da garantia de que as atividades realizadas gerem benefício para toda essa comunidade.
A aprovação do Senado evidencia o racha entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. No último dia 21 o STF rejeitou a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Por 9 votos a 2, o plenário decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades.
Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa ordinária.
Para o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), o projeto traz segurança jurídica ao campo. Segundo ele, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de invalidar a tese do marco temporal não impede a decisão do Legislativo. “Esta é uma decisão política. Hoje, estamos reafirmando o papel desta Casa. Com esse projeto, o Parlamento tem a oportunidade de dar uma resposta para esses milhões de brasileiros que estão no campo trabalhando e produzindo”, disse.
Não há sentimento revanchista com a Suprema Corte. Sempre defendi a autonomia do Judiciário e o valor do STF. Mas não podemos nos omitir do nosso dever: legislar
À mesa, presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), conduz sessão.
Os senadores contrários à tese do marco temporal criticaram a legalidade da proposta aprovada. “Ele fere frontalmente os povos indígenas do Brasil, sobretudo aqueles que estão em situação de isolamento, ao permitir o acesso [a comunidades indígenas isoladas] sem critério de saúde pública, sem respeitar aquilo que está estabelecido hoje. Este projeto também premia a ocupação irregular [dos territórios tradicionais reivindicados por povos indígenas], estabelecendo uma garantia de permanência para quem está em situação irregular”, afirmou a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), durante a votação na CCJ.
Supremo analisará novamente
O advogado eleitoral Alexandre Nogueira explicou que a decisão deverá novamente ser analisada no STF.
“Todo e qualquer alteração legislativa, seja ela qual for, vai desaguar no supremo. Desde a emenda constitucional número três, de 1994, o Supremo analisa a constitucionalidade de emendas. Certamente o supremo vai fazer uma análise desde texto aprovado. Temos que ver também se essa lei passará por uma sanção presidencial, o presidente já informou que vai vetar. Imagino que o supremo vá manter a tese”
Segurança
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) disse que o projeto é uma forma de dar uma satisfação à sociedade. Ela elogiou a postura firme e decidida dos senadores ao tratar de uma questão “extremamente importante”, que pode ajudar na pacificação do país. O senador Zequinha Marinho (PL-PA) também defendeu a aprovação da matéria, apontando que o texto está há 17 anos sendo discutido no Congresso. Segundo o senador, o país seguirá cuidando de seus povos originários.
— Esta Casa precisa fazer sua obrigação: legislar, para que outros não façam seu papel. Este projeto é importante para o Brasil, por trazer segurança jurídica — afirmou Zequinha.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) disse não concordar com uma política ambiental que nega a existência de habitantes na floresta amazônica. Ele citou como exemplo a dificuldade de asfaltar uma rodovia em seu estado. Na visão do senador, a questão do STF “somatiza” com as decisões de políticas ambientais. Omar Aziz ainda acusou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de “estreitismo”. De acordo com a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), a aprovação do tema mostra a importância de o Senado legislar.
— O projeto traz paz no campo, paz na cidade. Se continuar do jeito que está, podemos ter até uma guerra civil — declarou a senadora.
Na opinião do senador Jayme Campos (União-MT), a aprovação do marco temporal faz o Senado reassumir suas prerrogativas. Ele disse que o projeto é uma forma de respeitar os produtores rurais e os indígenas, levando segurança e paz ao campo. Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que o projeto é uma forma de trazer segurança jurídica e aproximar o Senado da sociedade.
Para o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o Senado está dando uma resposta à população brasileira. Ele disse não ver inconstitucionalidade no projeto de lei. Segundo Soraya Thronicke (Podemos-MS), a política atual do governo deixa indígenas e produtores insatisfeitos. A prova, disse a senadora, é que não havia indígenas nas galerias do Plenário do Senado para pedir a rejeição do projeto.
Inconstitucionalidade
Na visão do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), é inócuo votar um projeto que tem um sentido contrário ao que o STF decidiu como constitucional. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que o projeto traz questões que vão além do marco temporal. Ele citou que o texto prevê até explorar e plantar transgênicos nas terras indígenas.
"Isso é inconstitucionalidade flagrante. Retroceder a demarcação é mais que inconstitucional. Por óbvio, será acionada a Suprema Corte" argumentou Randolfe.
Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o projeto tenta modificar o texto da Constituição de 1988. Ela lembrou que, na semana passada o STF já decidiu a questão, ao considerar o marco temporal como inconstitucional. Na visão da senadora, é desumano usar os povos indígenas como disputa entre o Legislativo e o Supremo. Eliziane ainda afirmou que a aprovação marca “um dia triste” para o meio ambiente.
"Se é mudança na Constituição, tem que ser PEC [proposta de emenda à Constituição]. O que estamos votando hoje, o STF claramente derrubou por nove votos a dois. Este projeto está fadado ao veto presidencial ", registrou a senadora.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) também registrou que a tese do marco temporal já foi reconhecida como inconstitucional pelo Supremo. Ele disse que a votação do projeto não passava de “um teatro, muito bonito para as redes sociais”, mas que não geraria consequências jurídicas, pois um projeto de lei não poderia fazer mudanças constitucionais.
"Que ganho há em colocar esta Casa em mais um constrangimento?", questionou o senador.
Com informações Agência Senado