O movimento do papa Francisco de aproximar a sociedade civil das discussões da Igreja Católica abriu as portas para duas mulheres negras do Brasil, convidadas pelo pontífice para participar da primeira etapa global do atual sínodo, em outubro, no Vaticano.
Tradicionalmente, apenas bispos participam dos sínodos. Sob a batuta de Francisco, agora as mulheres ganham espaço mais relevante.
Sônia Gomes de Oliveira, 54, líder do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, e Maria Cristina dos Anjos, 61, assessora de migração da Cáritas, fazem parte da lista dos 70 católicos ?35 mulheres e 35 homens? escolhidos pelo próprio pontífice para integrarem o encontro.
As brasileiras, mulheres negras e do estado de Minas Gerais, têm ampla atuação em projetos sociais ligados à Igreja Católica no Brasil e serão observadoras na reunião, tendo espaço também para falas.
"Levo comigo a representatividade do laicato, de uma mulher preta do sertão mineiro e os gritos de grupos como pessoas encarceradas, LGBTQIA+, da juventude, dos indígenas e dos povos tradicionais", diz Oliveira, que lidera a organização dos católicos leigos brasileiros.
Já Maria Cristina dos Anjos diz que o sínodo, ao incluir a participação ativa dos que não são bispos, abre esperança de que agendas debatidas há anos ganhem mais espaço. Além de fazer parte da Cáritas, ela integra uma comissão do Conselho Episcopal Latino-Americano que discute a participação das mulheres na igreja e na sociedade.
O modelo do sínodo, criado pelo papa Paulo 6º em 1965, é uma reunião episcopal convocada pelos pontífices para discutir temas relacionados à instituição. Sob a liderança de Francisco, a igreja já discutiu questões como família, em 2015, juventude (2018) e Amazônia (2019).
Com o tema "Comunhão, Participação e Missão", o processo sinodal agora em andamento começou em 2021 e deve ser concluído em 2024. O primeiro passo foram as assembleias em paróquias e dioceses. No próximo mês de outubro, ocorre a primeira fase global. A etapa final, por sua vez, está prevista para um ano depois, também em Roma.
As brasileiras convidadas por Francisco relatam que o papel das mulheres na igreja, a diversidade sexual e de gênero, o combate ao racismo e os direitos dos migrantes foram alguns dos temas em destaque nas conversas que ocorreram nas etapas anteriores.
São, afinal, demandas globais ?em junho, o Vaticano publicou um documento preparatório, elaborado a partir de uma consulta global sobre o futuro da igreja, que aborda questões relacionadas a sexualidade, divórcio, celibato dos padres e diaconato para mulheres.
Em um trecho, o texto questiona: "Como pode a igreja do nosso tempo cumprir melhor sua missão por meio de um maior reconhecimento e promoção da dignidade batismal das mulheres?".
Mas as mudanças de Francisco no sínodo e também as discussões mais progressistas encabeçadas pelo papa não são aceitas de forma pacífica em todos os segmentos católicos.
"As tensões aparecem porque os temas estão relacionados com as estruturas da igreja, com o espaço de poder", diz o cientista social Leon Souza, diretor da Casa Galileia, ONG especializada em mobilização de públicos religiosos. Para ele, o conflito surge por conta da tentativa de romper com o muro do clericalismo e com a estrutura engessada do catolicismo institucional.
Dos Anjos diz acreditar que os representantes da América Latina estão comprometidos em não deixar de lado as questões levantadas na etapa regional. "Espero que todos possam falar e ser ouvidos. Porém, não dá para dizer até onde conseguiremos avançar."
Oliveira, por sua vez, afirma que a inclusão de não bispos é uma demonstração do papa Francisco de que os leigos não são "objetivos de segunda qualidade" na igreja. "Muitos bispos ainda não entenderam nosso papel, mas o papa Francisco entendeu."
Além dos fiéis convidados pelo papa, a lista divulgada pelo Vaticano conta com 363 participantes, incluindo padres, freiras, bispos e leigos. O número total de mulheres presentes no encontro é de 85.
Ao todo, 13 brasileiros devem participar da reunião. Dos Anjos e Oliveira compartilharão espaço com nomes da alta hierarquia da igreja no país, como o cardeal Sérgio da Rocha, arcebispo de São Salvador (BA) e Dom Jaime Spengler, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
"Garantimos representatividade, mas a assembleia ainda é um sínodo dos bispos. Portanto, a dimensão episcopal está salvaguardada", afirmou o cardeal maltês Mario Grech, secretário-geral do sínodo, em recente comunicado divulgado pelo Vaticano.Fonte: Folhapress (Jefferson Batista)