O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse em depoimento nesta terça-feira (16) à Polícia Federal que não determinou a inserção de dados falsos na sua carteira de vacinação e na de sua filha.Foto: Alan Santos/PR
Ele também afirmou que só teve conhecimento da adulteração quando esse tema começou a ser divulgado pela imprensa, em fevereiro deste ano.
O ex-mandatário disse ainda às autoridades policiais que o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-braço direito e ex-chefe da ajudância de ordens do Planalto, "sequer comentou sobre certificados de vacina" com ele. Cid foi preso na mesma operação da PF.
Nesta terça, foram feitas 60 perguntas pelos policiais ao ex-chefe do Executivo no depoimento de mais de três horas, em Brasília, no âmbito da investigação sobre fraudes em carteiras de vacinação no sistema do Ministério da Saúde.
O ex-chefe do Executivo negou ter solicitado a Cid ou outras pessoas envolvidas no esquema a adulteração dos cartões de vacina dele e de sua filha, e disse desconhecer motivos para que tenham feito isso. Bolsonaro afirmou ainda não acreditar que o seu ex-auxiliar tenha arquitetado a ação criminosa, que não a determinou, e que se ele o fez, "foi à revelia, sem qualquer conhecimento ou orientação" dele.
Bolsonaro disse aos policiais que, no dia 29 de dezembro de 2022, o então ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, entrou em contato com ele para obter autorização para retirar o sigilo de seu cartão de vacinação.
O ex-presidente relatou ter autorizado seu auxiliar e afirmou que "o orientou que, caso houvesse alguma coisa errada, que se procedesse a investigação pertinente". Bolsonaro sempre disse não ter se vacinado e criticava, sem evidências, a vacina contra a Covid-19.
Durante o depoimento, ele disse que a CGU havia aberto uma investigação sobre possíveis fraudes em seu cartão de vacinação quando ele ainda era presidente da República.
A suspeita da PF é de que Mauro Cid tenha adulterado, com ajuda de João Carlos de Sousa Brecha, então secretário de Governo de Duque de Caxias (RJ), os cartões de vacinação de Bolsonaro e da filha do ex-presidente.
À polícia Bolsonaro afirmou não ter "a menor ideia" das razões que levaram Brecha a fraudar o seu perfil no sistema do SUS (Sistema Único de Saúde).
Ele também foi questionado se conhecia as enfermeiras que, segundo os registros adulterados, teriam aplicado as doses de vacina.
Depois que os dados falsos foram inseridos no sistema, o aplicativo do ConecteSUS emitiu dois certificados de vacinação em nome de Jair Bolsonaro.
O ex-presidente afirmou que nem sequer sabe mexer no aplicativo e que toda a sua "gestão pessoal" sempre ficou a cargo de Cid. Mas disse não saber se foi, de fato, Cid quem emitiu os certificados.
O primeiro certificado foi emitido em 22 de dezembro de 2022, às 8h. O segundo, às 14h19 do dia 27 de dezembro. Nesse dia, Cid já não cuidava dos assuntos pessoais de Bolsonaro no Palácio do Planalto, tendo sido substituído por outro assessor, Marcelo Câmara. Foi do celular dele que o certificado foi emitido.
O terceiro certificado em nome de Bolsonaro foi emitido no dia 30 de dezembro de 2022. O ex-chefe do Executivo repetiu à PF que não tinha razão para emitir um certificado falso, já que, segundo ele, "jamais tomou vacina" contra a Covid.
Bolsonaro também foi questionado pelos policiais sobre áudio enviado por Ailton Barros a Cid em que diz saber quem foi mandante do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco, e respondeu que o seu então ajudante de ordens nunca comentou sobre o áudio com ele.
Em outro áudio obtido pela PF, Barros fala ainda sobre influenciar pautas das manifestações golpistas em Brasília. O ex-chefe do Executivo disse que "nunca repassou qualquer orientação sobre as referidas pautas a Ailton e/ou qualquer grupo". Ele disse ainda só mantinha contato por "conversas esporádicas" com Barros e que as aproximações se davam "principalmente em momentos eleitorais".
O ex-chefe do Executivo disse ainda que Barros "não possui liderança" para arregimentar pessoas para ato golpista, e ressaltou "que não concorda com qualquer tratativa nesse sentido".
Bolsonaro diz ainda que "não participou ou orientou qualquer ato de insurreição ou subversão contra o Estado Democrático de Direito" e que duvida que Cid tenha dado reforço a pautas golpistas.
O ex-presidente também fez uma defesa do seu ex-ajudante de ordens e braço direito. Quando questionado se Cid teria repassado a ele o conteúdo dos áudios de teor golpista de Barros, Bolsonaro disse que não e elogiou o militar.
"Cid é um militar altamente qualificado, primeiro lugar em todos os cursos militares em que é graduado, sendo portanto um militar disciplinado e que jamais compactuaria com atos subversivos", diz trecho do depoimento.
Bolsonaro também falou, mais de uma vez, não ter conhecimento da participação de Cid nas fraudes do cartão de vacina e que acredita que ele não tenha arquitetado a inserção de dados falsos nos sistemas.
O ex-secretário da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) da Presidência Fabio Wajngarten acompanhou o depoimento com os advogados Daniel Tessler e Paulo Cunha Bueno.
Ele também é advogado de formação, mas auxilia o ex-presidente na área de comunicação.
Segundo Wajngarten escreveu no Twitter, Bolsonaro respondeu a todas as perguntas e reiterou que jamais se vacinou. Também afirmou, segundo o aliado, desconhecer "qualquer iniciativa para eventual falsificação, inserção, adulteração no seu cartão de vacinação bem como de sua filha".
Ainda sobre a vacinação, o ex-presidente disse que seu governo comprou 500 milhões de doses de vacina, mas que ele não tornou a imunização obrigatória.
O ex-chefe do Executivo também foi indagado por policiais a respeito de áudios do ex-major do Exército Ailton Barros, que teria conversado sobre um eventual golpe de Estado com Mauro Cid.
"O Pr [ex-presidente Bolsonaro] respondeu que não orientou, que não participou de qualquer ato de insurreição ou subversão contra o Estado de Direito", disse Wajngarten no Twitter. Essa é a terceira vez que Bolsonaro presta depoimento às autoridades policiais em 2023. A primeira oitiva foi em 5 de abril, a respeito do caso das joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita; e a segunda em 26 de abril, sobre os ataques golpistas de 8 de janeiro.
No início de maio, no âmbito da apuração sobre os cartões de vacina, a PF realizou operação de busca e apreensão na casa de Bolsonaro e prendeu três dos seus principais auxiliares: Mauro Cid, Max Guilherme e Sergio Cordeiro.
O ex-ajudante de ordens Cid, apesar de não integrar oficialmente a equipe de assessores a que Bolsonaro tem direito como ex-presidente, é considerado o braço direito dele por sua fidelidade e proximidade.
Na semana passada, o advogado Rodrigo Roca deixou a defesa de Cid e foi substituído por Bernardo Fenelon, que tem trabalhos sobre delação premiada.
Ainda assim aliados de Bolsonaro dizem ter confiança de que Cid não fará colaboração. A expectativa no entorno do ex-presidente é que o ex-ajudante de ordens admita culpa no esquema de inserção de dados fraudulentos sobre vacinação.
Conforme a Polícia Federal, os alvos da investigação são suspeitos de realizar inserções de informações falsas no sistema da Saúde entre novembro de 2021 e dezembro de 2022. O objetivo era que os beneficiários pudessem emitir certificado de vacinação para viajar aos Estados Unidos.
Fonte: Folhapress/Marianna Holanda e Mônica Bergamo