O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (22) que a educação básica é um direito fundamental e que a oferta de vagas em creches e pré-escolas para crianças de até cinco anos pode ser exigida individualmente ao poder público.
Os ministros discutiam um recurso do município de Criciúma (SC) contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que obrigava a administração municipal a assegurar a vaga em creche a uma criança. A decisão foi mantida pelo Supremo.
O caso virou referência para que o tribunal discutisse a respeito do dever estatal, apontado pela Constituição, de assegurar a crianças de 0 a 5 anos o atendimento em creche e pré-escola.
Ao fim, foi fixada a tese de que a educação básica é um direito fundamental de todas as crianças e jovens e que "o poder público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica".
"Nós estamos aqui precisando empurrar um pouco a história para acelerar esse processo de universalização do ensino infantil", disse o ministro Luís Roberto Barroso ao votar.
Os ministros discutiram durante as sessões desta quarta-feira (21) e quinta (22) sobre o que deveria ser determinado com a questão.
O relator, ministro Luiz Fux, defendeu inicialmente em seu voto que a Justiça pode determinar essa obrigatoriedade de matrícula em situações excepcionais.
Seria necessário, para ele, comprovar que não foi possível conseguir a matrícula por meio administrativo em "prazo razoável". Quem fizesse o pedido à Justiça também teria que demonstrar que não tem capacidade financeira para arcar com os custos da criança em uma instituição privada.
"A intervenção do Poder Judiciário deve ocorrer em circunstâncias excepcionais e à luz de critérios norteadores específicos, quando comprovada a inércia administrativa na efetivação do direito fundamental", disse Fux em seu voto.
"Dessa forma, todo pleito em que se solicitar a matrícula de criança de 0 a 5 anos em creche ou pré-escola deve vir acompanhado da comprovação da recusa ou mora irrazoável da autoridade administrativa em atender ao requerimento", disse ele, sob o argumento de que essa requisição prévia evita que "a máquina judicial se converta em porta de entrada dessa espécie de demanda".
"Com o pedido, o município conseguirá identificar -e possivelmente sanar- eventuais ausências de creches ou pré-escolas em bairros específicos, bem como aprimorar aspectos logísticos envolvidos na elaboração da política pública educacional."
Esse entendimento, porém, acabou não prevalecendo.
O segundo a votar, ministro André Mendonça, propôs que a obrigação ao acesso universal à educação infantil acontecesse de forma gradual para crianças de até três anos.
No fim, porém, o Supremo decidiu fixar apenas a tese mais genérica, que foi proposta pelo ministro Luis Roberto Barroso, de que a oferta de educação infantil "pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo".
Os ministros ainda afirmaram que os municípios têm que dar execução ao Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso em 2014.
A meta número um do PNE é "universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de quatro a cinco anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos" até o fim de 2024.
Após o julgamento, a CNM (Confederação Nacional de Municípios) divulgou nota afirmando que "vê o resultado com extrema preocupação".
"A tese de repercussão geral aprovada pela Corte pode afetar os serviços prestados em todas as etapas da educação e totalizar R$ 120,5 bilhões aos Municípios, considerando-se o atendimento a todas as crianças entre 0 e 3 anos", disse a entidade.
A CNM "lamenta defesas feitas por magistrados que optaram por não considerar a viabilidade da decisão, a diversidade de realidades locais, os desafios já enfrentados pelas administrações municipais na prestação de serviços básicos à população e os impactos decorrentes da decisão".
A Fundação Abrinq, que ingressou no processo como parte interessada, disse ter "sentimento de imensa satisfação".
"Desde 2011 aguardamos ansiosos por esse desfecho, no qual se reconhecesse o dever do Estado para com o direito da criança à educação em creches", afirmou a fundação. "Não resta mais dúvida de que a creche faz parte do ensino básico obrigatório."
O destaque do STF ao cumprimento do Plano Nacional de Educação na votação desta quinta é um norte objetivo para serem cumpridos agentes públicos, segundo o presidente da Atricon (entidade que congrega os Tribunais de Contas brasileiros), Cezar Miola.
"Ainda precisamos de mais de 2 milhões de vagas para alcançar a meta 1 do PNE: atendimento em creches de, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos", afirma Miola.
Receio de retrocesso
O julgamento do STF mobilizou dezenas de entidades ligadas à educação que temiam uma decisão que pudesse trazer retrocessos a um direito já reconhecido anteriormente pela própria corte.
Em 2005, o Supremo reconheceu a educação infantil como "prerrogativa constitucional indisponível", ou seja, uma vez manifestado o interesse de matrícula, caberia ao poder público o dever de atendimento.
Para Alessandra Gotti, presidente do Instituto Articule e doutora em direito constitucional, a decisão do STF desta quinta (22) foi importante para garantir o direito constitucional à educação pública e gratuita a todas as crianças. "Nós corremos um risco de retrocesso muito grande com a tese defendida pelo ministro Luiz Fux. Com essa decisão, o STF assegurou o que já está previsto na Constituição, que é a prioridade absoluta dos direitos das crianças."
Especialistas da área também afirmam que a tese defendida anteriormente por Fux desencadearia uma onda de judicializações por vaga na educação infantil. "Quem iria definir, por exemplo, o que é uma família sem condições para pagar mensalidade em creche particular? O país ia viver uma explosão de ações judiciais, porque a educação pública é direito de todos", diz Gotti.
Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, também destaca que, se houvesse uma decisão contrária, haveria uma incoerência do STF com as políticas e leis aprovadas recentemente no país. "Seria um contrassenso em relação às conquistas recentes de financiamento da educação, por exemplo, com o Novo Fundeb, que previu um maior aporte de recursos para a educação infantil", afirma.
"O STF se mostrou hoje coerente com as últimas emendas constitucionais aprovadas e com o histórico da Constituição. Assim, a educação infantil como um direito está preservada", acrescenta Pellanda.
Fonte: Folhapress (José Marques e Isabela Palhares)