O número de casos registrados de racismo no futebol brasileiro retomou a tendência de alta, reduzida anteriormente, em parte, por causa da pandemia de Covid-19.
O Relatório da Discriminação Racial no Futebol de 2021 aponta 64 casos ocorridos no ano passado no país. Se incluídos também episódios de LGBTfobia, machismo e xenofobia, são 109.
O documento, produzido pelo oitavo ano consecutivo, foi elaborado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol e pelo Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Folha teve acesso aos dados, que serão apresentados de maneira oficial nesta quarta-feira (24), pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), no Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol.
"Não podemos esquecer que [2020] foi um ano atípico, com a ocorrência da pandemia e sem a frequência de torcedores nos estádios. Assim, destacamos a existência de um número elevado de atos discriminatórios", diz o relatório.
Elaborado desde 2014, o documento aponta crescimento nos episódios de discriminação nos últimos anos, à exceção de 2020. Nos casos de racismo, a partir de 2017, o número foi de 43 para 47 (2018), depois para 70 (2019). Em 2020, foram 31. Em 2021, ainda com boa parte da temporada realizada com estádios sem público, o número chegou a 64.
Os incidentes de LGBTfobia foram, nesses mesmos anos, de 10 (2017), 5 (2018), 20 (2019), 14 (2020) e 24 (2021). Machismo teve 5 (2017), 18 (2018), 29 (2019), 12 (2020) e 15 (2021). Os números de xenofobia foram 4 (2017), 7 (2018), 3 (2019), 4 (2020) e 6 (2021).
O relatório leva em conta apenas casos que se tornaram públicos.
"As denúncias que recebemos de redes sociais não colocamos. Só o que foi noticiado pela imprensa. Esses casos de internet podem ser perigosos. Pode ser montagem, pode ser torcedor rivalizando com outro. Mas a gente sabe que, se for olhar com lupa, os números serão muito maiores", afirma Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol.
Ele tem esperança de que com o apoio da CBF será possível levar esse levantamento para as redes sociais, tal qual acontece na Inglaterra. Lá, a ONG Kick it Out atua ao lado da federação local para mapear casos no mundo virtual.
O relatório de 2021 também apresenta casos que ocorreram no exterior e envolvem atletas brasileiros. Foram mais dez episódios de racismo, quatro de xenofobia e um de LGBTfobia.
De acordo com o documento, desses 74 casos de racismo no Brasil e no exterior, em 44 o agressor é um torcedor ou grupo de torcedores, seis partiram de outro atleta, em cinco a origem é um dirigente de clube, seis nasceram de membros da comissão técnica ou funcionário do estádio, sete são de autoria de um ou mais jornalistas, um foi de treinador, um de cônsul oficial que representava equipe no exterior, um de influenciador digital e outros três do próprio poder público.
Entre as vítimas, a maioria (48) foi composta por atletas. Mas houve também alvos árbitros (3), torcedores (10), funcionários de estádio ou membros de comissão técnica (6), familiar de jogador (1), ex-atletas (2) e jornalistas esportivos (2). Outros dois casos englobaram praticante de e-sport e modelos negros de uma campanha publicitária de lançamento de uniforme do time.
"Acho que a gente está mais atento, e o meio do futebol está dialogando mais sobre o assunto. Esse debate fora do espaço das quatro linhas faz com que os jogadores entendam a importância de denunciar", diz Carvalho.
O problema ainda são as punições. No geral, quando há alguma, na esfera esportiva, aplica-se uma multa. Entre todos os casos registrados pelo relatório, apenas em um ocorreu perda de pontos definitiva para algum clube não revertida por instâncias superiores. E foi em torneio amador. O União Atlética Ituiutabana foi condenado a pagar R$ 1.100 e a perder três pontos porque o árbitro da partida da equipe contra o UAI, pela liga local, foi chamado de "macaco" por uma mulher não identificada.
Nos demais episódios prevaleceu o que aconteceu com o Brusque em outubro do ano passado. O meia Celsinho, do Londrina, foi chamado de "macaco" em partida da Série B do Brasileiro por um dirigente do clube catarinense. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) multou o Brusque em R$ 60 mil e o condenou à perda de três pontos no torneio. Após recurso, o time recebeu os pontos de volta.
"Existe o lado da conscientização maior, mas do lado de quem comanda o futebol não vemos essa movimentação. Quem comanda o futebol ainda não está se mobilizando. A CBF levar o relatório para dentro da entidade é a minha esperança de mudar isso", opina Marcelo Carvalho.
A confederação aparece em um dos casos relatados. O Grupo Arco Íris de Cidadania LGBT questionou na Justiça o motivo de a seleção brasileira não ter a camisa 24 na Copa América do ano passado. A entidade explicou no processo que existiam questões no regulamento da competição e citou a preferência do volante Douglas Luiz em usar a 25.
Em texto publicado na abertura do relatório, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, diz que o "futebol tem responsabilidade de ser instrumento para mudar isso [racismo e discriminação] e não [é] simplesmente um agente passivo dos processos históricos e socioculturais que conduzem aos mecanismos de opressão, violação dos direitos e violência".
Marcelo afirma saber que a estatística real é bem maior. Sabe disso por conversas com vítimas que se recusam a denunciar.
"Recebemos contatos de jogadores. O mais triste nesses casos é não tornar isso público. Eles querem apenas desabafar, dizem estar se sentindo péssimos, mas não querem denunciar porque não são respaldados por ninguém. O clube não respalda, a federação não respalda. Isso é muito frustrante porque não conseguimos ajudá-los", finaliza o diretor do Observatório.
Perda de Pontos
O presidente da CBF deve propor que times sejam punidos com perda de pontos caso torcedores se envolvam em casos de racismo, diz o ge.com.
A penalidade valeria a partir de 2023, mediante aprovação do Conselho Técnico do Campeonato Brasileiro. Segundo o site, Ednaldo Rodrigues apresentará o plano no seminário desta quarta.
Fonte: Folhapress