Pai, mãe e filha, juntos em um mesmo palco falando sobre perdão, divórcio, amor, amadurecimento e ancestralidade. O espetáculo “Hereditário” acontece, novamente, nesta quinta-feira (5), partir das 20h, no Teatro 4 de Setembro.
O espetáculo com João Cláudio Moreno, humorista com mais de 30 anos de carreira, Patricia Mellodi, cantora e compositora com prêmios na música, Clara Mello, escritora, poeta, roteirista, com cinco livros publicados. Pela primeira, eles dividem o palco que mistura humor, música e poesia e tem como tema as relações familiares.
O Cidadeverde.com entrevistou os três para falar sobre a vida, os relacionamentos, ciúmes e hereditariedade.
João Cláudio - Hereditário fala sobre amor, separação, perdão. Como foi se separar da Patrícia? você pensou alguma vez que teria volta?
A separação foi muito ruim. Acho que não tinha base, desde o início da união. Nós não tínhamos maturidade necessária para construímos um casamento, nem eu e nem ela. Talvez, principalmente eu, porque nesses casos a mulher é mais madura que o homem do ponto de vista emocional. O homem amadurece tardiamente, às vezes, nem amadurece. A separação foi uma tragédia, principalmente porque havia filhos, mas eu sabia que não tinha volta, então, nunca alimentei ilusões a esse respeito. Tivemos duas separações, a primeira e depois voltamos, e a segunda eu vi, nitidamente, que não havia porque insistir na relação.
Patrícia – o que o divórcio ensinou pra você? Já perdoou o João?
Ensinou a lutar. A se responsabilizar por si. A parceria do casamento, quando existe, ela nos ampara e conforta emocionalmente e financeiramente, e não ter é triste e penoso, mas é possível ser só. E numa próxima relação unir forças de forma mais consciente. Mas, o principal aprendizado é amar e ter compaixão e tolerância pelo ex-parceiro mesmo fora do casamento. Nunca tive mágoa do João. É uma mágica. E como diz minha canção: "os erros por amor já nascem com perdão". rs!
Clara – Como é conviver com pais em duas cidades?
Como eu escrevi em um poema, sou uma "equilibrista de saudades". Eu demorei pra conseguir lidar bem com isso. Eu me sentia dividida, como se eu fosse duas, tivesse duas vidas paralelas. Porque eram realidades muito diferentes. Aos poucos fui conseguindo integrar isso e transitar com essas duas partes de mim que são fundamentais e formam quem eu sou. Hoje acho que é uma riqueza ter essa vivência.
Patrícia – No espetáculo, o João diz: eu só desejo que você viva. Você viveu Patrícia?
Vivi e ainda vivo. A Vida me esmagou muitas vezes, me fez beijar a lona em inúmeras situações. A humildade e a simplicidade são meus maiores aprendizados. Se amar e ao mesmo tempo amar o outro é uma convocação. Fui e sou alegre e feliz, e apesar das dores, as oportunidades e os milagres vieram na mesma proporção da dor. E claro, amei muito e fiz muitas canções com esse amor. Fui traída, abandonada, enganada, humilhada, mas fui muito e enormemente amada e acolhida.
João Claudio – Você tem ciúmes da Patrícia, da Clara? Como é conviver com os amores das duas?
Ciúmes tive muito no começo. Tanto de uma, como da outra. Sobre os relacionamentos das duas, eu tinha ciúmes porque gostava da Patrícia. Pra mim era difícil ver a Clara com um namorado da Patrícia. Mas, a Clara que me ensinou: quanto mais gente gostar de mim, melhor. E esse ensinamento é profundo, duradouro e ficou. Eu entendi e dizia: é isso mesmo. E tudo passa, passou e depois de um certo tempo o que eu queria era o melhor para as duas, estivesse com quem estivesse.
Clara – Como é sua relação com seus pais?
Minha relação com meus pais é muito boa. E eu sou muito orgulhosa porque construímos isso juntos. Foi uma decisão, uma escolha e um constante exercício de continuarmos nos conhecendo, nos respeitando, e criando caminhos de encontro, equilíbrio e colocando o amor e cumplicidade à frente dos possíveis obstáculos. Somos amigos, parceiros, e temos muitas afinidades.
Patrícia – Hereditário retrata também a história de pais. Nos seus relacionamentos, as qualidades, manias, medos de sua mãe, do seu pai são reproduzidos nos seus relacionamentos?
Ah! minha amiga, sempre. Sou uma sucessão de repetições parentais. Só amo homens que lembrem o papai, e só arranjo dificuldades iguais as da minha mãe, ou seja, problema! Rs! Mas estou hoje consciente, honrando os meus pais, mas buscando minha própria estrada, sem abandonos nem encrencas. Quero e mereço a prosperidade. Mas honro também essas relações todas de repetição que me mostraram quem eu sou e todas as minhas autossabotagens. Sou tudo o que vivi.
João – Onde está o Piauí no triângulo amoroso entre pai, mãe e filha?
O Piauí é um eixo que nos une. Porque a Clarinha valoriza as origens, ela valoriza esse tema ancestralidade. Engraçado que a Clarinha desmorona todos esses valores, que nos enraizamos como patriarcado, instituições, religiões, sistema religioso, mas paralelo a isso, ela valoriza demais a sua hereditariedade, origem, raízes, lugar de onde vem, embora esteja acostumada a viver num polo bem diferente, que é o Rio de Janeiro, que tem uma cultura bem diferente de viver, de uma mentalidade destoante do que temos aqui. Ela se alimenta de um lado e do outro, vive nos dois polos e parece que precisa dos dois.
Clara – você mora no Rio, mas vem ao estado nas férias, Natal e outras datas, tem família em Piripiri, como é sua relação com o Piauí?
Eu tenho uma relação muito especial com o Piauí. Apesar de ter crescido no Rio, nunca me senti carioca. Sinto um pertencimento realmente muito profundo e uma identificação, me sinto realmente em casa e nas minhas origens.
Patrícia - Hereditário traz uma espécie de constelação familiar, que conta a trajetória de vocês, organiza o palco, o que espera da plateia?
Assim como está acontecendo no palco, desejo que as pessoas gerem encontros, compreensões e acolhimento em torno da sua hereditariedade e de seus afetos. Nossa prosperidade financeira, emocional e espiritual depende disso. Não há mais tempo a perder.
Clara – você é a roteirista do espetáculo e se percebe que você, sua mãe, seu pai brilham igualmente no palco, reforça um pouco sobre que não há hierarquia na arte. Como foi essa seleção de fatos/lembranças/histórias de vocês para levar para o palco sem magoar sua mãe, seu pai?
Eu fui muito honesta em tudo que escrevi, não usei filtros e nem pensei em agradar. mas parti da ótica do amor e dos aprendizados. Daquilo que já aprendemos, progredimos e curamos, com o foco nos nossos pontos de união, que é a mensagem do espetáculo.
Patrícia – você faz direção musical do espetáculo e um dos momentos marcantes é a canção “Navegantes”, que fala do amor de quem está longe. Teresina é uma boa influência para você?
Teresina é o princípio e o fim de tudo. De onde vim e pra onde sempre vou voltar.
João – No espetáculo você tenta varrer o pé da Patrícia, que é um costume local para não se casar. A Patrícia é a ‘casadeira’ e você não quis casar novamente. O casamento com a Patrícia foi tão traumático assim? O que você acha hoje do casamento?
O que foi traumático não foi o casamento. O casamento deve ter sido traumático pra ela, que teve que me aguentar, me aturar. Pra mim até que foi bom. Foi traumático a separação, quem casa não pensa em separar, principalmente quando se tem filhos. O fato deu nunca mais ter me casado em grande parte foi pelo trauma da separação, em grande parte porque têm pessoas, por suas próprias esquisitices compreendem que não são feitos para casar. São muito individualistas, egoístas, tem características individuais fortes. Então, se a pessoa casa e logo vai haver uma separação, isso não deixa de ser um grande trauma, um fracasso, uma derrota, principalmente quando a pessoa não ver com olhos da distância do tempo.
Para os três: o que é ser hereditário para vocês?
Clara - É honrar suas raízes e a sua ancestralidade. Não significa que tudo foi perfeito, nem que você seja obrigado a conviver com sua família, ser amigo ou se identificar se isso não for natural e não te fizer bem. Mas é ressignificar sua caminhada e aqueles que vieram antes de você.
Patrícia - É fazer valer a força das minhas avós, Judith e Iaiá, a fé da minha tia Enedina, a saúde e a coragem da minha mãe Valésia, a loucura e a honestidade do meu pai, Antônio.
João Cláudio – A Clarinha faz essa pergunta no espetáculo. O que é hereditário para você?. A Patrícia fala das referências que ela têm da família daqui, muito religiosa, boa, caridosa, da mãe muito forte, e do pai louco e honesto, e eu já falo da hereditariedade, uma espécie de hereditariedade cósmica. Não sei bem de onde vem, recebi uma bagagem genética e algumas pessoas com quem eu convivo fazem parte da minha infância, da minha formação aqui nesta vida, um processo que a gente não entende muito bem. Eu escambo mais para esse lado da espiritualidade. Eu digo sempre que é a mesma definição que tenho de identidade, aquilo se forma quando não nos dão nada, alguma coisa se formou e sobra quando nos tiram tudo. Depois de tudo a gente ainda tem tanto. Minha mãe tem 97 anos e eu não quero que minha mãe morra. Minha mãe morre, eu fico pensando aonde eu tenho pra voltar, onde eu vou voltar, a essa altura da vida existe esse vínculo maternal, matriarcal, isso tudo é muito forte e é isso a hereditariedade. Cidadeverde.com