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No futebol, saúde mental é sinônimo de rendimento. Quando os clubes e a sociedade entenderão isso?



Reconhecido como o País do Futebol, o Brasil peca por ter, segundo especialistas da área, um dos piores calendários de campeonatos do mundo, o que gera um desgaste gigantesco aos jogadores, pois os jogos acontecem uns após os outros. Os campeonatos são praticamente emendados e sem intervalo para recuperação física e mental dos atletas – que passam mais tempo dentro de aviões e hotéis, em trânsito, do que em casa, descansando da rotina pesada de treinamentos e com as suas famílias. Isso tudo aliado a outros fatores como a exigência por vitórias e alto desempenho.  

Agora imaginem toda essa pressão em um cenário de pandemia. Todos podemos ter acesso a artigos e matérias na imprensa que mostram que a saúde mental de muitos brasileiros está comprometida em razão de tudo o que estamos vivendo. No mundo do futebol não é diferente. Os jogadores também estão impactados e querem proteger as suas famílias, mas, enquanto isso, seus dirigentes brigam pela volta das torcidas aos estádios.  

Em janeiro, o Corinthians foi o primeiro time do ano a anunciar que dez de seus jogadores testaram positivo para Covid-19. Na última rodada do Campeonato Brasileiro, o Palmeiras ficou sem 18 jogadores – pelo mesmo motivo, e o Atlético Mineiro, sem dez. Vasco, Fluminense, Coritiba, todos com o time comprometido também. Um pouco antes, em dezembro, o futebol nacional perdeu nada menos que quatro dirigentes de clubes, entre eles Paulo Magro, presidente do Chapecoense. Esta é a realidade dos jogadores profissionais do Brasil: pandemia, saúde física, mental e rendimento físico comprometidos, patrocinadores querendo reverter em lucro seus investimentos. E o Brasil sem vacina suficiente para atender a toda a população.  

Estudos comprovam que para que o futebol profissional funcione efetivamente, o atleta depende do equilíbrio de quatro importantes capacidades:  a física, a técnica, a tática e a emocional. Capacidades que são interdependentes e muitas vezes ainda são tratadas de forma independentes, principalmente quando falamos da questão emocional.   

A visão moderna de jogo diz que nunca se deve separar o físico do técnico, do tático e do emocional. Isso é psicologia do esporte, é o que forma o indivíduo atleta, e o indivíduo é aquele que joga o jogo. Quando falamos especificamente em atletas de alto rendimento, entre os quais a margem entre performance e lesão é muito tênue, é fundamental um suporte multidisciplinar de profissionais de saúde habilitados como médico, psicólogo, nutricionista e preparador físico. Além de aumentar as chances de lesão, é consenso na literatura que um estresse elevado altera o rendimento do esportista porque também gera alterações neurofisiológicas e metabólicas, que acabam impactando no sistema endocrinológico. Infelizmente, o que vemos hoje em dia é que muitos clubes e confederações menosprezam esses cuidados fundamentais no que diz respeito à saúde global do jogador de futebol.  

Recentemente, o técnico do Barcelona, Ronald Koeman, afirmou que “estamos matando nossos jogadores”. Isso é uma verdade indiscutível, que transcende o simples rendimento em qualquer lugar do mundo, pois independentemente da nacionalidade, jogadores de futebol são seres humanos, não máquinas. Aumentos abusivos na carga de treinamento e a alta frequência de jogos, negligenciando-se a recuperação com os intervalos de descanso obrigatórios, podem acarretar inúmeras alterações físicas e mentais como a diminuição do desempenho atlético, lesões contínuas, principalmente musculares, fadiga, além de transtornos comportamentais, distúrbios do sono, alterações endócrinas, anorexia e alterações no sistema imunológico que geram maior suscetibilidade a doenças infecciosas.  

Outros distúrbios de longo prazo incluem alteração da concentração, aumento da ansiedade, instabilidade emocional e enxaqueca. A manifestação mais temível entre os atletas com síndrome do excesso de treinamento é a rabdomiólise, doença causada por lesões musculares graves que evoluem com insuficiência renal e podem ser fatais em alguns casos. 

Já passou da hora de se investir na saúde mental dos jogadores, pois sem ela o físico não aguenta sozinho muito tempo. Nossa atual realidade, em que estrelas simplesmente perdem o brilho, novos talentos têm dificuldade de ganhar destaque no esporte e potenciais campeões se perdem pelo caminho por não conseguirem lidar com a pressão são resultado de falta de apreço à saúde mental dos atletas. Se quisermos voltar a ser quem fomos há algumas décadas, uma referência sem paralelos no futebol mundial, isso precisa mudar. 

 



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